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sábado, 22 de junho de 2013

Lançamento do Documetário ''Sobrevivente'' Baseado na vida de Rodrigo Fernandes.

Lívia Venina

Diante de uma tragédia, os sobreviventes têm duas opções: ou passam o resto da vida se lamentando ou dão a volta por cima. O carioca Rodrigo Fernandes, 35, escolheu a segunda opção. Na tarde de quarta, 12, em uma produtora de ...filmes na Vila Santa Cecília, em Volta Redonda, ele acertava os últimos detalhes do documentário “Sobrevivente”, que vai mostrar como ele – que escapou por pouco do ataque de um grupo de extermínio – conseguiu superar sua tragédia pessoal e, mais do que isso, como poderá ajudar outras pessoas a fazer o mesmo.

Quem vê Rodrigo hoje, falante, brincalhão e sorridente, não imagina que há quase 20 anos, mais precisamente na madrugada de 23 de julho de 1993, ele escapou por pouco de ser executado a tiros por Policiais Militares durante o episódio que ficou conhecido como ‘Chacina da Candelária’. Há até bem pouco tempo, Rodrigo – hoje capelão prisional, bacharel em Teologia e cursando o último período de Psicanálise Clínica – frequentava o Batalhão Especial Prisional da Polícia Militar (BEP), em Benfica, para levar aos policiais presos o que não teve quando criança: oportunidade de mudar. Situação improvável, levando em consideração que ele mesmo quase foi morto por PMs.

“Todos merecem uma oportunidade: o menino de rua, o policial que cometeu crimes e se arrependeu. Minha meta é ajudar para que outras pessoas não passem pelo que passei”, conta o rapaz, pai de três filhos, convicto de que muitas tragédias podem ser evitadas se houver estrutura familiar. Ele sabe o que diz. Fruto do que chama de “um lar destruído”, filho de uma “mulher da vida”, como se refere à antiga profissão da mãe, Rodrigo saiu de casa para viver nas ruas quando tinha apenas seis anos. “Meu pai era padeiro. Separou-se da minha mãe e a deixou com quatro filhos para criar. Ela era ‘da vida’ e isso era muito exposto, era em casa. Eu sentia vergonha e ia para a rua, para fugir daquela situação”, revela.

Rodrigo lembra que com nove anos se envolveu em sua primeira briga de rua. “Na rua, ou você luta para sobreviver ou vira presa. Eu estava tomando banho num chafariz quando dois moleques chegaram dizendo que iam me bater. Virei um cão feroz ali”, relembra, acrescentando que levou a melhor e acabou ganhando a admiração de outros garotos. “Quando você prevalece, os demais ficam submissos. Então fui formando bandos. Os meninos de rua andam em bando como forma de proteção”, emenda.

O entorno da Igreja da Candelária, no Centro do Rio, segundo ele, era um prato cheio para pedintes no início da década de 90. “Muitos turistas circulavam por lá. Eu e outros meninos íamos lá para pedir esmolas e comprar cola de sapateiro, que usávamos para inibir a fome”, recorda Rodrigo. Segundo ele, muitos dos meninos e meninas que perambulavam por ali tinham saído de casa para fugir de situações de violência doméstica e abuso sexual, por exemplo. “Todo morador de rua tem uma história”, pontua Rodrigo.

Na madrugada daquele 23 de julho fazia muito frio. Na época, instituições religiosas passavam distribuindo roupas e alimentação para pessoas em situação de rua, como ele. Quando homens avisaram às cerca de 70 crianças e adolescentes que, em breve, um ‘sopão’ seria distribuído, todos se animaram. “Os assassinos usaram a comida como estratégia. É importante dizer que um menino de rua sabe só pelo olhar se alguém está pensando em fazer maldade. Se não fosse pela estratégia da comida, não teriam como agrupar os menores”, lembra Rodrigo, que estava deitado em cima de uma banca de jornal naquela noite, com mais dois adolescentes.

“Eu tinha 14 anos e estava em cima da banca com o Gambazinho e o Valdevino. Chegaram uns homens em um Chevette e um táxi. Com o barulho dos tiros, pulamos da banca para correr. Os dois meninos morreram”, conta Rodrigo Fernandes, apontando a marca do tiro que atravessou seu braço esquerdo durante a fuga. “Corri para o lado da Marinha do Brasil, que fica ali perto, e eles me socorreram”, relata, com surpreendente placidez. “Na hora do sufoco você pensa em tudo: em família, em mãe”, acrescenta.

Dali, Rodrigo foi levado para o Hospital da Marinha, em Bonsucesso, onde foi entregue à sua mãe. “Voltei para casa, mas minha família foi coagida para que não falássemos nada. Quando eu soube do que tinha acontecido, entrei em pânico, não saía mais de casa, não conseguia nem dormir”, salienta, contando que, com medo, sua família saiu da Lapa, onde vivia, para São João de Meriti. A partir daí, sua vida começou a mudar. Ele conseguiu seu primeiro emprego, numa padaria, aos 15 anos – era balconista, com carteira assinada e tudo. “Aos 17 eu já era pai. A cabeça mudou, comecei a ter outra percepção, tinha que trabalhar para sustentar minha família”, relata.

Aos 19, com dois filhos para criar, Rodrigo se separou e deu início a uma fase destrutiva: mergulhou de cabeça nas drogas. E diz que o que lhe resgatou do caminho pelo qual estava enveredando foi Jesus. Através da religião, passou a enxergar a vida com outros olhos. “Estudei, terminei o Ensino Médio, fiz seminário de Teologia, sou capelão e juiz de paz”, conta, cheio de orgulho. Seus filhos – de 15, 10 e 4 anos – conhecem sua história. “Converso muito com eles sobre o que me aconteceu. Sou o ‘herói’ da minha família e levo essa motivação para as pessoas”, continua o ex-menino de rua, que, em certa ocasião – numa dessas ironias do destino –, acabou ficando frente a frente com um dos PMs que participaram da chacina.

“Encontrei com um dos assassinos depois da minha conversão. Ele é evangélico também. O que houve ali foi uma amizade, baseada em amor e carinho. O que passou, passou”, simplifica Rodrigo, de forma muito tranquila. “É necessário um desprendimento muito grande para chegar a esse ponto, não? Se tornar amigo de quem um dia tentou te matar”, comentou. “A minha referência está em quem me amou. Se Ele perdoou o ladrão na cruz, se Ele me perdoou, quem sou eu para dizer que o outro não presta? Quem sou eu para negar perdão a alguém? Eu perdoei e perdoo quantas vezes tiver que perdoar”, finaliza.

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